Na Edição Especial do CBN Tocantins deste sábado,15, o ouvinte conferiu um texto do editor-chefe do Jornal Daqui e do site do Jornal do Tocantins e coordenador da CBN Tocantins, Tião Pinheiro, com narração do coordenador de Jornalismo da TV Anhanguera, Adriano Fonseca, em homenagem às vítimas fatais da Covid-19 no Estado. A homenagem foi veiculada inicialmente nesta sexta-feira no Jornal Anhanguera 2ª Edição. Ouça!
Muito além da frieza dos números
Tião Pinheiro
Jornalista, escritor e compositor
Não se trata apenas da frieza dos números.
São mentes e corações bombardeados por um inimigo invisível a colocar em desordem uma normalidade cartesiana. E os dias nunca mais foram os mesmos.
Não se trata apenas da precisão das estatísticas.
São pessoas e situações atingidos por uma arma silenciosa a nos tirar de uma zona de conforto. E as noites jamais foram as mesmas.
Não se trata apenas da banalização do caos.
São lares e lugares alcançados por um fantasma avassalador a nos fazer reféns. Pesadelos, e os sonhos agora são outros.
Da surpreendente partida da assistente social Francisca Romana Chaves no vigor dos seus 47 anos deixando órfãos uma filha, amigos e colegas, ao clamor da técnica em enfermagem Edilma da Silva Goulart, que anteviu o fim ao balbuciar à filha: “Eu vou morrer, Luana!”. E partiu sem conseguir esperar o tardio socorro ante a revolta e tristeza dos seus.
Desde aquele fatídico 14 de abril do primeiro adeus fora do combinado, mais que os crescentes números, as fúnebres estatísticas e o estado de calamidade que entre nós se instalou, são cenas e situações em que o desespero, a dor e a impotência nos invadem e nos desolam.
Um vírus tomou o mundo de assalto e, entre medos e sobressaltos, vidas são interrompidas, dores sentidas, desilusões estampadas e a incerteza do que ainda virá a nos inquietar, a nos aquietar.
Em todos os cantos, um adeus, um choro e uma incompreensão sobre tudo isso.
Por aqui, o luto em todo lugar, município a município, e sequer se consegue se despedir dos seus, dar um último abraço.
O primeiro registro e a surpresa, planos interrompidos.
O décimo registro e o espanto, lares desfalcados.
O centésimo registro e a revolta, ninhos desfeitos.
O meio milhar de registros e o desespero, vidas sendo levadas e aquela saudade precoce tomando conta de pais, filhos, esposos e esposas, amigos, colegas...
São centenas de vazios, são centenas de despedidas e são centenas de projetos não concretizados, de abraços e beijos não dados e de presenças suprimidas.
Mais que a frieza dos números, a precisão das estatísticas e a banalização do caos, estamos falando de sentimentos, de gente, de vidas...
E aqui, numa espécie de roleta russa sobre quem fica e quem parte, ficamos a chorar por quem parte e a nos moldar em novas práticas, novas atitudes e a nos cicatrizar na dor, a nos consolar na saudade e mais que antes, a nos reinventar também no amor.
Que nos agarremos a ainda possível e teimosa esperança de renasceres!
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